Se por um lado a ação do pai, na educação do filho, impõe disciplina, a reação do filho as vezes gera rebeldia. Esses e outros aspectos da relação entre pai e filho são abordados pelo médico psiquiatra, psicanalista e pesquisador da Universidade do Estado de Rio de Janeiro, Marco Antonio Coutinho Jorge.
De acordo com as suas experiências, você poderia nos falar um pouco da relação conflitante entre pai e filho?
Marco Antonio – A relação conflitante entre pai e filho sempre existirá porque o pai figura na família como o representante da ordem e da disciplina. Com sua função, ele ajuda a criança a se organizar em relação a si mesma e em relação ao mundo em que vive. O pai é um polo de fortes identificações. Mas o conflito entre pais e filhos tem graus diferentes. Há pais que incutem medo nos filhos através de uma presença excessivamente silenciosa e pouco afetuosa; outros que, por não terem uma presença firme junto à criança acabam por não serem considerados por ela dignos de respeito. A medida exata que permite ao pai ter autoridade sem ser autoritário é difícil de ser obtida, é sempre árdua de ser encontrada por cada pai. Freud chegou a dizer que educar é impossível, no sentido de que há algo no processo de educação que é imponderável e deve ser avaliado por cada pai junto a cada filho e em cada momento da existência deste. Não é preciso dizer que o amor precisa estar presente neste processo que exigirá muito do pai.
E os pais, como devem escutar seus filhos?
Marco Antonio – Reconhecendo neles a singularidade que os constitui e a diferença que portam em relação a cada outro membro da família. É bastante prejudicial para o desenvolvimento da criança a tentativa de padronizá-la em moldes pré-estabelecidos sem reconhecer nela algo que deve ser incentivado e estimulado.
Há muitas diferenças nos relacionamentos entre pais e filhos na América Latina e na Europa?
Marco Antonio – Muitas e significativas. Todos os estrangeiros que vêm ao país observam isso e nós igualmente quando viajamos. A disciplina e o rigor na educação são infinitamente menores aqui, e os efeitos disso serão sentidos ao longo de toda a vida do sujeito. Mas tudo tem dois lados: o excesso de disciplina inibe e tolhe a criatividade da criança. Dosar a disciplina é, mais uma vez, o mais importante e o mais difícil.
Você acha que dar liberdade aos filhos leva a uma permissividade que enfraquece o uso da autoridade paterna?
Marco Antonio –A educação e a função do pai talvez exerça aí sua parcela mais significativa. A educação deve dar à criança e ao adolescente condições para ele conquistar sua própria liberdade interna – liberdade de afeto. A liberdade é necessária, mas ela é antes de mais nada uma conquista e não algo que se dê para a criança.Isso é algo que ninguém dá a ninguém, mas algo que se conquista. Mas, condições para isso é uma tarefa dos pais. O exemplo é um instrumento valioso para darmos ao filho condições de escolher ele mesmo o que é melhor para ele.
O que muda na relação entre pai e filho na adolescência?
Marco Antonio – O adolescente entra num conflito entre conseguir independência e permanecer na posição infantil. Por isso mesmo, ele frequentemente exacerba a postura de autonomia e desligamento dos pais. Mas esta reflete apenas o quanto ele se sente no fundo uma criança que terá que, custe o que custar, crescer. Frequentemente o adolescente adota a postura do rebelde em relação ao pai, mas ele é um rebelde que tem uma boa causa – crescer e se unir aos adultos na dura tarefa de enfrentar a vida de modo autônomo.
Qual orientação você daria aos pais quando seus filhos se fecham, em seu “mundo”, impossibilitando um diálogo?
Marco Antonio – Procurar a entrada para esta caverna na qual os filhos estão se escondendo. Quando o filho se afasta muito dos pais há algo que ele não está conseguindo compartilhar e os pais podem ficar atentos a isso. Contudo, é preciso respeitar iugualmente a condição de isolamento que o adolescente cria para si mesmo, que lhe permite enfrentar a passagem para a vida adulta se identificando com as características do grupo com que convive e negando exageradamente os valores da família. O fator quantitativo é ainda aqui o mais relevante: nada é em si mesmo nefasto, é preciso saber dosar cada coisa. Respeitar o isolamento é uma forma de mostrar ao outro que ele não está só, mas acompanhado.
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