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Luto, além da dor

ter, 12/05/2020 - 12:59 -- Leila Pinho
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Créditos: 
Gianini Coelho
Juliana

Difícil é se lembrar de quem morreu, quando esse alguém é amado,  sem sentir saudades, sem sentir tristeza. A partida deixa para os que ficam, o desafio de aprender a viver sem, o desafio de aprender a conviver com a dor. Para as mães que se despedem de seus filhos, num contrassenso do destino, as dificuldades parecem ainda maiores. E, muitas se perguntam, como prosseguir?
Nessa reportagem, a equipe da DVCD ouviu mães de Macaé que compartilharam suas experiências de luto, com coragem e generosidade. Elas quebraram o tabu ao falar desse assunto que não é muito conversado entre as famílias brasileiras.
A aposentada Telma Braga Poiares, de 66 anos, viveu dias muito dolorosos depois de receber a notícia de que sua filha Tarsila, com 37 anos em 2012, sofreu um grave acidente automobilístico em São Gonçalo e morreu. “É como se eu fosse amputada e depois tivesse que aprender a viver assim. É um vazio que nada preenche”, recorda. Tarsila deixou duas filhas, o marido e toda a família com muitas saudades. Mesmo hoje, seis anos depois, Telma se emociona ao falar dela e conta sobre a filha com um misto de vontade de vê-la de novo e muito amor.
A servidora pública Juliana Lima Oliveira, 48 anos, acompanhou a filha Maria Fernanda que estava em estado delicado no CTI, durante um mês, após saber que ela tinha bulimia, em 2012. A jovem tinha 22 anos e não resistiu. Juliana acreditava na recuperação de Maria Fernanda e ficou transtornada com a morte. Na época, ela se revoltou com Deus e passou por vários altos e baixos. “Eu tive que lidar com o sentimento de culpa, porque quando a gente perde um filho, a gente acha que parar de sofrer é o mesmo que esquecer o filho”, conta Juliana.
FláviaA astróloga Flávia Vasconcelos de Brito, 43 anos, engravidou em 2017 de Pietro, ele tinha um raro problema genético. Segundo Flávia, a ciência considerava o caso dele incompatível com a vida, a longo prazo. Pietro nasceu, viveu por 31 minutos e depois morreu, em janeiro deste ano. A astróloga lembra que no dia do falecimento, ela sentiu medo e ficou em choque. “Eu quis ser forte e sufocar o luto. Três meses depois, percebi que estava com a sensação de choro preso, eu sentia uma angústia. Hoje, tenho um olhar mais natural para o luto”, comenta Flávia.
Conforme explica a psicóloga Leane Rodrigues, o luto tem três fases. Na primeira, acontece o choque pela notícia da morte, o ritual de despedida e é quando os entes próximos sentem necessidade de falar mais sobre o assunto, com várias pessoas. Já na segunda fase, há grandes oscilações de sentimentos e emoções. 

Leane

Nesse período, quem fica se pergunta: — E agora? Como preencher esse vazio? “A terceira é a mais longa, quando a pessoa se conforma. Geralmente, nessa fase, a pessoa busca mais a espiritualidade, toma remédios, busca por terapia, tudo isso num processo para se curar”, esclarece Leane.
O sofrimento causado pelo luto pode se tornar um transtorno. De acordo com Leane, o transtorno do luto é um transtorno especificado no Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - o DSM-5, um manual feito pela Associação Americana de Psiquiatria para definir como é feito o diagnóstico de transtornos mentais. “Para amenizar o sofrimento da perda, a pessoa pode buscar por ajuda profissional, procurar um psicólogo, uma terapia ou um psiquiatra, pois, em alguns casos, o luto pode se transformar numa depressão”, salienta.

 

O que o luto pode revelar, para além da dor?

Depois de se revoltar com Deus, Juliana buscou outros caminhos de espiritualidade e se identificou com a religião espírita. Aos poucos, ela foi aceitando melhor a morte da filha e aprendendo a ver as coisas por outro ângulo. “Eu tinha um entendimento diferente sobre Deus, achava que podia barganhar com ele. Eu ressignifiquei Deus na minha vida com a partida da Maria Fernanda”, reflete.
TelmaTelma comenta sobre as inúmeras boas lembranças que a filha deixou e fala do trecho de uma música chamada “Regeneração”, que explica bem o sentimento dela. Um trecho da canção diz: “Onde está seu sorriso? Onde se escondeu? Sim, eu sei, é difícil esquecer o que aconteceu. Mas, também, sei que a vida nada traz sem uma razão. Um instante de dor numa vida de muito amor. Regeneração”. “Tarsila não morreu, porque permanece viva em nossos corações, viva em nossa memória. A morte não sepulta isso”, afirma Telma.
Para Flávia, a vida sempre quer ensinar alguma coisa. Quando os médicos falaram pra ela sobre a questão genética de Pietro, informaram também que ela poderia, se quisesse, interromper a gravidez. “Eu e meu marido decidimos não interromper. Transformei isso em aprendizado, sem ter desistido do meu filho”, recorda. Nas reflexões que faz, ela pensa sobre a fragilidade da vida e entende a importância do agora. “Pietro me trouxe essa dimensão do milagre que é a vida. Viver a existência com alegria, o ensinamento que ele me trouxe foi esse. Valorizar o hoje, cada instante ainda mais”, diz, emocionada.

 

Falar sobre o luto - “Colo de Mãe”

Quando Juliana se aproximou do espiritismo, recebeu uma carta psicografada de sua filha. A mensagem da carta pedia que Juliana desse colo para outros pais e mães que perderam seus filhos. Esse foi o embrião que fez nascer o “Colo de Mãe”, um grupo de pessoas voluntárias que se reúne uma vez por mês para compartilhar experiências sobre o luto e, principalmente, se apoiar emocionalmente.
O grupo existe desde 2016, e as reuniões acontecem no Lar Francisco de Assis, no Centro de Macaé, sempre no segundo sábado do mês, a partir das 17h30. O grupo não tem finalidade religiosa, apesar de existir com o apoio da religião espírita. As reuniões são ecumênicas e abertas ao público. Os participantes têm espaço para falar, se quiserem, e as pessoas interagem trocando experiências.Colo de mãe
A gente precisa de um espaço para falar, porque as pessoas da nossa convivência se cansam de ouvir a gente falar desse sofrimento. E quando, nas reuniões, a gente ouve o outro, isso nos ajuda a reduzir o sofrimento. O grupo se dá força”, fala Juliana.
Depois que começou a frequentar o grupo, há 2 anos, Telma passou a se sentir melhor. “No Colo de Mãe tive outra visão, aprendi que a missão da Tarsila terminou, na Terra. Penso que independente da religião, na reunião vemos que todo mundo passa pela mesma dor. Lá, vejo que não estou sozinha”, comenta.
Segundo esclarece a psicóloga, a necessidade de falar sobre o filho é ainda maior para as mães, já que a fala é uma forma de não deixar a lembrança morrer. “O assunto para ser resolvido, precisa ser desgastado, por isso, elas precisam falar. Existe ali muita emoção e muita dor e, se a pessoa não fala, ela implode. É preciso falar para amenizar o sofrimento”, pontua.

Texto Leila Pinho

Edição nº 47/ setembro 2018

Revista Digital

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