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Andar com fé eu vou

qua, 18/04/2018 - 14:13 -- Gláucia Pinheiro
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pessoa andando descalça

 Há poucos dias me deparei novamente com o título intrigante de uma crônica. Quando Deus aparece. Eu, marcada pelo ceticismo racional e científico, sempre questionadora dos dogmas da religião, me deparei com a pergunta lá pelo meio do texto: quando Deus aparece pra você? Parei ali, olhando aquela interrogação por alguns instantes que pareceram horas e uma nova pergunta retumbou em meus pensamentos: por onde anda minha fé?

Em tempos sombrios, de intolerância e desesperança, em que estamos de cara com o horror ao virar a esquina, onde a palavra perdeu sua força e a lei vai sendo esfacelada pelos desmandos, é preciso buscar algo que nos dê certo alento. Resta-nosa fé.Mas que resto é esse?Onde encontrá-lo, se a fé anda tão perdida e escamoteada por discursos institucionalizados? Nesses momentos, em que preciso dar um sentido novo para algo que se acomodou no hábito amortecedor, recorro ao dicionário, às palavras e às lembranças. Na tentativa de ressignificá-las.

A fé aparece por aí, misturada à religião. E a religião nunca foi deixada à margem do campo psi, na sua busca de pensar o homem, seu psiquismo e sua subjetividade. Grandes teóricos, como Freud, Jung e Lacan, não se furtaram de trazer para a ordem do dia a problemática religiosa. Freud, inclusive, salienta a importância do estudo dos mitos e da história das religiões, na formação do psicanalista. Porém, a religião, tomada como um dogma que consiste em dar sentido e trazer uma verdade infalível, é questionada por Freud como uma ilusão. A religião, posta num templo, com suas Igrejas e sistemas morais é tal como a ilusão neurótica,aprisionando o homem na fuga da sua angústia. Não existe uma religião, única, que porte uma verdade absoluta. Não há um Deus que seja mais Deus que o outro. Há religiões, com suas meias verdades, fruto de uma cultura, de uma história e da fé de um povo.

É na religiosidade que a fé se separa da religião. A fonte da religiosidade não está na religião. Não é preciso ter uma religião, pertencer a uma Igreja, seguir os dogmas e rituais morais para ser invadido por esse sentimento ilimitado, sem barreiras, “oceânico”, para acreditar, profundamente, que “Deus” aparece por aí.

A fé, para além do seu sentido religioso e sacro, é o compromisso assumido de ser fiel à palavra dada, a afirmação de algo em que se tem uma confiança absoluta. É a crença, a convicção profunda de algo que experimentamos na carne, de forma tão subjetiva e singular. A fé pode ser aquilo que nos move, que enlaça o pouco de sentido, o que nos coloca de pé. É a fé que nos permite contemplar, agradecer. É essa força estranha que paira no ar, que impulsiona, que instiga, que aquece. A fé pode ter outro nome. Pode também se chamar desejo.

Passamos há pouco, pela sexta feira santa. Um feriado religioso em que o povo cristão celebra e rememora a morte de um homem. Um homem revolucionário que lutou pelo seu povo, que não se calou nem temeu. Torturado, caluniado, executado. Hoje, certamente, não receberia uma coroa de espinhos, nem pregos nos pés e nas mãos. Seria alvejado com tiros na cabeça. Uma morte para não esquecer. Lembrança que reforça nossa fé.

Que os feriados religiosos sejam mais que uma celebração nos templos. Que seja uma celebração de cada um, no seu altar particular, na sua morada mais íntima. E que cada um possa, numa referência ao tempo da Páscoa, ressurgir, renascer, ressignificar, reinventar seu ato de fé.

Eu sou Gláucia Pinheiro, psicanalista
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